sábado, 16 de outubro de 2010

Carta do marinheiro inglês à brasileira (traduzida) - Parte I


“I call your name, but you're not there
Was I to blame, for being unfair
Oh I can't sleep at night
Since you've been gone
I never weep at night, I can't go on
Don't you know that I can't take it
I don't know who can
I'm not going to make it
I'm not that kind of man”
The Beatles


Eu acho difícil falar a respeito das minhas emoções, então escrevi tudo nesta carta, que já encaminho a você hoje mesmo, quando eu chegar à terra firme.

Eu realmente a amo. E realmente sinto muito por tê-la machucado dessa maneira. Quando você me disse que tudo estava acabado, eu fiquei desesperado. Um desespero que eu somente senti uma vez na minha vida: quando eu tinha 19 anos e disseram-me que minha noiva e meu bebê nascituro estavam mortos. Mortos por minha culpa. Depois disso, todos os dias eu me sentava àquele ponto de ônibus, esperando não sei o quê e pensando: “se eu me atirar à frente de um desses ônibus, toda essa tristeza vai embora”.

Virei marinheiro. Talvez para forçar um desapego. Eu estou sempre em lugar nenhum, mas sempre em algum lugar. Não tenho casa. Minha casa é o mar, os navios, as bases, os pubs à beira do cais. Minha família são meus colegas de batalhão. Forcei esse desapego, porque, estando longe da Inglaterra, eu não poderia mais namorar ninguém, não poderia mais me apegar a ninguém, não poderia mais engravidar e matar alguém que por ventura viesse a se tornar minha noiva. E minha vida sentimental passou a se resumir a breves noitadas com iranianas, maltesas, sauditas, africanas e até afegãs. Whisky passou a ser água. E comecei a me envolver em brigas corporais constantes.

Quando você apareceu na minha vida, eu estava completamente desesperançado em relação a mulheres. Não esperava mais conhecer alguém de quem eu gostasse de verdade e não somente com quem quisesse passar algumas noites. Você me amarrou com esse seu sotaque latino, com o jeito brasileiro com que você pronuncia meu nome, com sua personalidade forte e sua indiscutível beleza. Achei-a muito parecida com as meninas que eu costumava ver na Inglaterra, mas com um sorriso muito mais bonito, com um jeito muito mais meigo, com uma maior tendência a demonstrar carinho. Amei-a de vez quando recebi sua primeira carta, numa linda letra cursiva escrita com tinta de caneta preta, num papel com desenhos da Hello Kitty. Afundei meu rosto naquele papel, imaginando que você talvez poderia tê-lo esfregado ao corpo. E eu tentava aspirar algum resquício de cheiro seu. E quando você, toda insegura, tremendo e suando, disse-me que me amava, eu me senti novamente como um adolescente de 14 anos diante da menina mais popular do colégio. E eu disse que não havia percebido que você sentia por mim o mesmo que sinto por você. Disse ainda que quereria ficar com você para sempre e levá-la para a Inglaterra, para morar comigo e ser mãe dos meus filhos.

Mas sou uma pessoa que não consegue se livrar facilmente dos próprios vícios. Continuei a beber whisky como bebo água, continuei a freqüentar os pubs à beira do cais, continuei a me envolver em lutas corporais, continuei a ver as moças (mas agora eu só via, porque você não me saía da cabeça). Tudo isso a fez duvidar dos meus sentimentos. Tudo isso a fez chorar e sofrer, porque eu não conseguia suprir toda a sua necessidade de presença emocional. Eu parecia somente um inglês frio e distante a você, e pior: um inglês frio e distante que mentia. Quando você terminou tudo alegando que eu a fazia sofrer, eu me revoltei, fiz-me de duro, chamei-a de injusta... mas depois entendi o negligente que fui. Entendi e sofri. Sofri e cheguei ao auge do desespero sem você.


(Fim da Parte I)

Um comentário:

Má Soares disse...

Porque vivemos cenas constante de cinema...
Porque somos capazes de mudar o rumo a trajetória das coisas
Porque pagamos caro por tudo isso...
Dói de mais, o choro é constante e a angústia estertorante...
Espero que esteja bem beijos